Um dos maiores furacões musicais
de Jundiaí mereceria um
rascunho inspirado no concretismo do também jundiaiense Décio Pignatari. Mas os
rótulos não cabem em seu trabalho.
Como um fruto tardio da contracultura
hippie, o compositor Venâncio Furtado irrompeu na cena da cidade nos anos 1980 com
um lote de canções que fizeram a cabeça de toda uma geração.
Da poesia psicodélica de
“Lucineia” até bandeiras antiautoritárias como “Mister Poder”, foram muitas as canções
que se encaixaram com precisão em um momento de esperanças de democracia, de preservação
e de liberdade.
Foram pelo menos três bandas ao
longo dos anos 80 e 90 (Escaravelhos, Cordas Vocais e Atitude Suspeita) onde
colocou suas poesias como letras cantadas de ritmos tão variados como o baião,
o samba-canção, o blues, o choro ou o rock.
Entre os pontos desse percurso
estiveram desde o histórico show “Nos Ares da Ilusão”, no Centro das Artes, até
a apresentação transmitida para todo o Estado de São Paulo no especial “A
Cidade é o Show”, da TV Cultura.
Espelho do tempo
O amálgama de ligação entre todos
os ritmos eram as letras criativas e a união de artistas envolvidos em torno da
utopia imaginada e vivida.
Uma parte dessa energia dos
artistas em torno do trabalho criativo de Venâncio Furtado era uma relação
profunda com a Serra do Japi, então com menos pressão imobiliária e uma alta
liberdade de circulação para os interessados em sua vivência, incluindo até a boemia
noturna que fazia longas caminhadas entre o Centro Histórico e o Pico do
Mirante apenas para ver o sol nascer.
Não por menos, a virada dos anos
70 para os anos 80 marcou momentos vitais nas lutas de Jundiaí pela proteção da
Serra do Japi, pela despoluição do rio Jundiaí, pelo resgate de prédios como o
Solar do Barão ou o Teatro Polytheama, pela suspensão da demolição da Ponte
Torta, pelos protestos contra o corte das figueiras centenárias da Praça da
Bandeira. Tudo ao lado dos movimentos nacionais e mundiais contra o racismo, contra
o machismo, contra a usina nuclear, contra as guerras, contra a falta de
moradia popular e por eleições diretas, entre outros.
Essa efervescência era vivida na interação
com outras artes e na multiplicação de bares com música ao vivo, dos cinemas,
restaurantes, festivais, feiras de livros, desfiles carnavalescos e
manifestações no centro histórico da cidade, com a alta bilheteria dos filmes
brasileiros nos seus cinemas de rua, o grande público em shows de MPB na
Esportiva, onde passaram nomes como Caetano Veloso, Alceu Valença, A Cor do Som
ou Elis Regina, e os longos papos nas lojas de discos, livrarias, praças,
feiras de artesanato ou fliperamas.
Outro fator era o momento único
de conexões ao vivo entre gerações, como aconteceu com muitos artistas desse
movimento. Um dos exemplos desse processo era a presença de músicos dos
lendários Chorões do Japy (grupo que chegou a ganhar música de saudação de
Lamartine Babo) no boteco e restaurante Armazém, que também era um dos muitos
pontos de encontro de gerações mais jovens como os músicos citados.
Música popular jundiaiense
Tudo isso desembocou no fluxo do
movimento coletivo que poderia ser chamado de música popular jundiaiense, com
canções como a obra de Venâncio e que na década seguinte seria reforçada com uma
corrente mais ligada ao rock autoral e ao rap, completando uma cena longa que
já vinha desde a viola, o samba e o erudito.
A diversidade também marcou o
compositor, para quem não havia um único ritmo musical envolvido.
Os frutos dessas circunstâncias
foram grandes momentos musicais. O tributo reúne principalmente artistas que
compartilharam momentos de criação ou interpretação com Venâncio Furtado, mas é
uma homenagem ao celeiro musical de Jundiaí.
(daqui em diante entramos com
comentários sobre trabalho, amizade e importância de VF na visão dos
envolvidos).